Pesquisa aponta que 63% dos professores da rede municipal de SP se afastaram por problema de saúde nos últimos 12 meses
08/10/2025
(Foto: Reprodução) Pesquisa mostra que mais de 60% dos profissionais da rede pública municipal de educação se afastaram por problemas de saúde e mais de 80% tiveram problemas de saúde mental
Uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP, em conjunto com o Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais de São Paulo (Aprofem), constatou que mais de 60% dos professores municipais da cidade de São Paulo se afastaram por problemas de saúde no último ano, e que mais de 80% tiveram algum transtorno mental.
Segundo o levantamento, 63,5% dos mais de 2.500 entrevistados relataram que precisaram se afastar por algum problema de saúde nos últimos 12 meses. As doenças mais comuns foram: pressão alta (17%), diabetes (5%), problemas ortopédicos (5%), respiratórios (4%) e de coluna (3%).
As doenças mentais também aparecem em níveis muito altos: mais de 84% declararam sofrer algum tipo de transtorno. Desses: 37% têm ansiedade, 36% relataram ansiedade e depressão simultaneamente, 7%, burnout e 4% sofrem de depressão.
Vera Cardoso de Paula Assis é professora de educação física na rede pública municipal há oito anos, mas afirma que não consegue mais dar aulas.
Ela sofreu um acidente de trânsito que deixou sequelas de locomoção. Em 2023, a situação piorou quando foi atingida nas costas por um aluno que pulou da tabela de basquete da escola. Desde então, passou a depender de uma cadeira de rodas. Quando voltou ao trabalho, foi colocada em uma sala vazia.
Mais de 60% dos professores da rede municipal de SP se afastaram por problemas de saúde e 80% tiveram transtornos mentais, aponta pesquisa da USP
Reprodução/TV Globo
“A escola não estava preparada, só tinha essa sala que era acessível, que é a sala que o pessoal usa para eleição. As pessoas não vinham conversar comigo, a não ser as crianças”, disse Vera.
Uma professora que preferiu não se identificar relatou a dificuldade da rotina. Grávida e morando a 30 km da escola em que trabalha, ela disse que o deslocamento diário é exaustivo.
“Sou professora da rede municipal de São Paulo há um ano e meio. Todos os dias enfrento um deslocamento de aproximadamente duas horas e meia até o serviço, e o mesmo tempo, ou até mais, no retorno. Utilizo o transporte público, o que envolve dois ônibus, metrô e trem", disse, em relato enviado por escrito à TV Globo.
"Essa rotina, que sempre foi desgastante, tornou-se ainda mais difícil agora, pois estou grávida de oito meses. Minha gestação é de alto risco, e cada viagem longa me traz a angústia de que isso possa prejudicar tanto a minha saúde quanto a da minha bebê", contou a professora.
Segundo o sindicato, cerca de 11 mil professores municipais não conseguem transferência por estarem há menos de dois anos na rede, no chamado "estágio probatório".
Como foi feita a pesquisa
Sala de aula de escola municipal na Zona Norte de São Paulo
Arquivo pessoal
A pesquisa foi coordenada por Luci Ana, doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da USP, em colaboração com o sindicato. Os resultados foram calculados pelo Instituto de Matemática e Estatística da universidade.
“É extremamente necessário cuidar de quem cuida e educa. O que mais sobressaiu foi a questão da sobrecarga de trabalho. É uma sobrecarga que incide sobre a vida, o tempo de vida e a saúde do profissional de educação. A questão da duração do trabalho, da quantidade de tarefas e de conflitos foi o que mais apareceu”, explicou Luci.
O levantamento apontou também que 62,5% dos entrevistados disseram ter sido vítimas de algum tipo de violência no último ano. A violência verbal e a intimidação foram as mais comuns, mas também há registros de roubos, furtos e agressões físicas.
Um professor, que também preferiu não se identificar, contou que foi agredido em sala de aula.
“Eu estava ministrando minha matéria quando observei um aluno utilizando o celular. Pedi que ele entregasse o aparelho. Foi então que o aluno começou a me insultar e a me ameaçar, usando palavras de baixo calão", disse.
E completou: "Logo depois, ele partiu para a agressão física, desferindo socos e chutes contra mim. Chegou a me empurrar, e acabei caindo no chão. Mesmo assim, ele continuou me agredindo até que funcionários da escola intervieram e conseguiram contê-lo. Após o ocorrido, o aluno apenas foi transferido de escola, enquanto eu perdi meu contrato com a Secretaria da Educação. Hoje, encontro-me desempregado", relatou.
Violência nas escolas
TV Globo
Como mudar a situação?
A vice-presidente da Aprofem, Margarida Prado Genofre, disse acreditar que é possível reverter essa realidade.
“Nós somos a educação. Se a gente não acreditar na educação, podemos pegar o boné e ir embora. Porque educar é transformar. A gente acredita na educação. Só a educação vai conseguir fazer isso — mas não sozinha. A educação precisa de apoio”, afirmou.
Mais da metade dos entrevistados disseram que não escolheriam ser profissionais da educação novamente. Mesmo assim, Vera ainda sonha em voltar para a sala de aula: “É muito difícil. É como se você fosse imprestável, sabe?”, disse.
“Eu sinto que minha carreira acabou. É algo que você não prevê quando estuda tanto, faz tantas pós-graduações… e não tem mais. É difícil”, completou, emocionada.
O que diz a Secretaria Municipal da Educação
Por dois dias, a TV Globo solicitou entrevista com o secretário municipal da Educação, Fernando Padula, mas o pedido não foi atendido.
Em nota, a Secretaria Municipal da Educação informou que o número de licenças médicas de professores diminuiu entre 16% e 20%, dependendo da série.
A pasta também afirmou que o programa Rede Somos, implantado pela atual gestão, conta com 340 profissionais para atender demandas de saúde mental.